quarta-feira, 6 de abril de 2016

O Roteiro Líper para se iniciar a leitura de Foucault

Este é uma espécie de roteiro, que costumo repetir, para se entender inicialmente o pensamento de Foucault.



            Foucault analisa o poder através do sujeito. Principalmente através da subjetividade do sujeito. Ele decompõe o sujeito para identificar nele as ações do poder. Tudo se dá a partir daí. E faz outro deslocamento para se analisar o poder.  Recusou o poder como sempre foi descrito como existente em si e focou nas relações de poder que, através de estratégias, constitui o sujeito. E a saída dessa condição de sujeito é a reedição do cuidado de si que vai desenvolver no sujeito a capacidade de ser o mestre de si mesmo e assim recusar toda sujeição através de sua subjetividade. O enfrentamento do poder é também eliminar a objetivação, subjetivação, individualização e totalização para o sujeito deixar de ser sujeito. É essa a coluna vertebral do pensamento de Foucault que sustenta todas as suas reflexões que giram em torno dessa contestação.

Primeiro: o objeto de pesquisa de Foucault foram as relações entre verdade e poder na constituição do sujeito. Em Foucault a palavra sujeito é o sujeito sujeitado. Portanto ele fez uma analítica da dominação do sujeito pela associação da verdade com o poder. Em uma equação podemos dizer: Verdade + Poder = o sujeito sujeitado.  E de fundamental importância se ler a respeito sobre verdade, poder e sujeito no seu curso Do Governo Dos Vivos e  o comentário nesse livro de Michel Senellart na Situação do Curso na página 294 da publicação  feita pela editora Martins Fontes na primeira edição em 1914. 
            Um dos textos básicos de Foucault é  O Sujeito e o Poder escrito em 1982. Nesse texto Foucault resume grande parte de suas pesquisas e seu pensamento. Em O Sujeito e o Poder  publicado em Ditos e Escritos IX na edição brasileira pela editora Martins Fontes em 2014, na página 119, Foucault escreveu:

        Não é, pois o poder, mas o sujeito que constitui o tema geral de minhas pesquisas.
        É verdade que fui levado a interessar-me de perto pela questão do poder. Evidenciou-se-me logo que, se o sujeito humano está preso em relações de produção e em relações de sentido, ele está também preso em relações de poder de uma grande complexidade. Ora, acontece que dispomos, graças à história e à teoria econômicas, de instrumentos adequados para estudar as relações de produção; assim também, a linguística e a semiótica fornecem instrumentos ao estudo das relações de sentido. Mas, quanto às relações de poder, não havia nenhum instrumento definitivo; recorríamos a maneiras de pensar o poder se apoiavam seja em modelos jurídicos (o que legitima o poder?), seja em modelos institucionais (o que é o Estado?). Era, então, necessário ampliar as dimensões de uma definição do poder, se quiséssemos utilizar essa definição para estudar a objetivação do sujeito. 


             Em Ditos e Escritos V na edição brasileira publicada pela editora Martins Fontes em 2006 na página 274, em uma entrevista A ética do cuidado de si como prática da liberdade em 20 de janeiro de 1984 para Concórdia. Revista internacional de filosofia n 6, julho e dezembro de 1984, o entrevistador perguntou:

   (...) Em seus cursos no Collège de France, o senhor havia falado das relações entre poder e saber; agora o senhor fala das relações entre sujeito e verdade. Há uma complementaridade entre os dois pares de noções, poder/saber e sujeito/verdade?
 - Meu problema sempre foi, como dizia no inicio, o das relações entre sujeito e verdade: como o sujeito entra em um certo jogo de verdade.

           No meu entender nessa entrevista ele encerrou o assunto descrevendo o seu objeto de pesquisa durante toda sua vida. Portanto, sugerimos que, a partir daí, se comece a ler o pensamento de Foucault nos seus muitos livros e ditos e escritos.
           
            Segundo: o seu método. O ponto de vista para Foucault analisar esse seu objeto de pesquisa, verdade e poder na criação do sujeito nas relações de poder, foi o empirismo. Por isso recusou pensar os acontecimentos históricos a partir de universais, teleologias e filosofias trans-históricas e se deteve apenas nos fatos singulares, isto é, acontecimentos e práticas. Assim ele recusou o racionalismo, a metafísica, a fenomenologia, o existencialismo, o marxismo, ou seja, Hegel, Marx, Sartre entre outros. E ele mesmo disse ser um positivista feliz e Paul Veyne o chamou de empirista histórico, o que ele não contestou. 

         Terceiro: o resultado. Foucault lendo os documentos históricos descobriu que existiam pressupostos recorrentes nesses documentos em cada época. Então ele deslocou de focar o olhar em analisar o conteúdo das ideias nesses documentos, que é o mais comum se fazer, para como essas idéias foram geradas a partir desses pressupostos no ato de conhecer em cada época. E é esse a priori que determina o que vai se falar, escrever e pensar em cada época. Chamou esses pressupostos, que geravam o conhecimento, de episteme e as idéias que eles geravam de discursos. Portanto esses pressupostos que geravam discursos foi chamado de a priori histórico. Essa foi a revolução que Foucault fez na epistemologia e no conhecimento. Em vez de fazer uma história das ideias, ele fez uma história desses pressupostos muitas vezes não percebidos por serem considerados óbvios. E ele os isolou em cada época e desfez suas obviedades porque os isolou e descreveu.  Foucault fez então, em vez de uma história das idéias uma história das epistemes no seu livro As Palavras e as Coisas.


            Quarto: a consequência.  Ele, e isso é o mais importante, analisou o discurso como práticas. O descreveu como práticas discursivas e mostrou como essas práticas se tornam uma estratégia em outro tipo de práticas no que ele chamou de relações de poder. Quer dizer analisou as práticas discursivas e suas relações com as práticas de poder disseminadas em toda a sociedade que ele chamou de relações de poder.  Em outra equação podemos colocar: práticas discursivas + práticas de poder = relações de poder.